Nepal, a vida criativa (Parte IV)

By In Ásia, Nepal

Quarta parte de uma viagem documental que aborda o modo como o povo nepalês supera os efeitos dos terramotos de 25 de abril e 12 de maio de 2015, e que procurou sensibilizar a população açoriana para a prevenção em casos de fenómenos sísmicos.

Em agosto e setembro de 2015 finalmente aterramos e abraçamos o Nepal. Estivemos em locais onde o apoio internacional chegou rapidamente (centro de Kathmandu e Saankhu), mas também onde só chegou um mês depois das catástrofes (distrito de Dolakha).

Partilhamos das condições em que os nepaleses subsistem provisoriamente, distribuímos roupa e material desportivo e reunimos com a Coordenação da Assistência Humanitária da ONU no Nepal para obter mais esclarecimentos, mas sobretudo para tentar dar voz a todos aqueles que de forma criativa sobrevivem à perda.

“Com este projeto procuramos implicar o outro e recuperar a vontade de querer intervir de forma local, resgatando a esperança no poder dos pequenos atos numa mudança global.”

                                                               + info: www.carlosbrummelo.com.

 

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O príncipe invisível

Rodeada de históricos templos, sustentados por duvidosas vigas de madeira, transformo-me numa mulher tão minúscula de pequenina.

Imagino-me cautelosamente a passear entre castelos de cartas e à socapa faço figas para que o vento não sopre ou a terra não rasgue!

Livremente presa naquele labirinto de ruas, fontes e becos, vejo abater-se sobre a praça a escuridão de um céu arreliado.

Debaixo de uma chuva de lavar a alma, vemos um príncipe majestosamente sentado. Há muito que reis e rainhas abandonaram aquele sagrado chão. Restam agora soberanos invisíveis e sem trono.

 

 

 

Entre a terra e o céu

Om mani padme hum.

Entoando este mantra de tradição tibetana e associado ao bodhisattva da compaixão, monges e religiosos davam voltas e mais voltas à stupa.

Independentemente de credos ou filosofias, em Boudhanath o nosso espírito arrepia-se e cresce-nos no coração da mente a vontade do desapego.

Dentro de Kathmandu existe um novo Tibete, esse sim, tão valentemente livre!

Da união entre o homem e o universo, bandeiras e rodas de oração elevam até ao céu o sonho de superação de homens que, fortalecidos pela fé, se reconstroem entre tijolos e luz.

Longe do ruído e perto do silêncio, quem mantra seus males espanta!

    

A dança do arroz

Ainda antes do amanhecer, levantou-se certa de que aquele seria só mais um dia de trabalho.

Com os pés afundados naquela terra molhada e escorregadia, distraída com o dal bhat que faria para o almoço, sentiu o corpo a tremer e os pés a serem vencidos pelo chão.

Nesta tormenta, entre sombrias montanhas e verdes campos de arroz, veio-lhe à cabeça um sonho de criança.

Naquela que parecia ser a sua última dança, balançou como uma desajeitada que não consegue acertar com o ritmo da música.

Quando finalmente caiu no chão, sacudida pela força da terra, ganhou fôlego sem pressa e jurou a si própria que ainda seria bailarina!

 

A dança de Shiva

Ao som da música do ciclo do nascimento, da morte e do renascimento, deitou-lhe água do rio nos pés frios e moribundos e envolveu-a em lençóis brancos e laranja. Se fosse rico usaria sândalo para a fogueira!

Beijou-a saudosamente antes de lhe pôr na boca o pavio de cânfora e manteiga.

 

 

A viagem continua…

 

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