Nós, os portugueses, chamamos-lhe Colónia do Santíssimo Sacramento em 22 de janeiro de 1680, mas quis a história que tal chão nunca nos fosse definitivamente atribuído. Em verdade foi Manuel Lobo, Governador da Capitania Real do Rio de Janeiro que a fundou, alegadamente com apenas com uma mão cheia de barcos e cerca de 300 homens. Porém, ali eram os espanhóis a mandar, e certo seria, que jamais iriam tolerar tal ousadia de Lobo, que lhes tentava roubar descaradamente a sua terra! Certo foi que ainda em agosto desse mesmo ano a cidade assistiu a um ataque de 300 espanhóis e 3000 índios guaranis que arrasou com a pretensão de Manuel Lobo, um brilhante militar de carreira, que foi preso e acabou por morrer pouco tempo depois na atual capital argentina. Contudo, mantivemo-nos teimosos e obstinados!
Mais que a terra, o que ali estava a ser disputado era o estuário turvo do rio, no qual circulavam valiosas mercadorias das minas de prata que os espanhóis exploravam… E, azar dos azares, enquanto os espanhóis estavam mesmo a um passo dali, as bases lusas mais próximas daquele local situavam-se a milhares de quilómetros de distância, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Mas a incapacidade militar dos portugueses para exercer esse domínio por via militar era evidente, pelo que o país acabou por se fazer valer de uma demorada e difícil negociação diplomática, da qual os espanhóis lá devolveram a colónia aos fundadores. Algo que pouco durou, pois no século seguinte a cidade andou literalmente a saltitar das mãos dos portugueses para os espanhóis e vice-versa, com tratados e batalhas até 1778, altura em que o Tratado de Santo Ildefonso a atribui definitivamente a Espanha. Entretanto, insurgiam-se os fortes nacionalistas uruguaios, ou não fossem apoiados pela Argentina e liderados por José Gervásio Artigas, tendo alcançado a independência em 1815. Também aqui, por pouco tempo, visto que, meia dúzia de anos depois, o território foi ocupado pelo Brasil. Nisto, o Uruguai só se tornou definitivamente independente em 1828, após o movimento dos 33 Orientais, composto por patriotas uruguaios inspirados por Artigas e apoiados pelos argentinos.
Contas feitas, depois de ocupada e perdida pelos portugueses sete vezes, as margens do rio da Prata, mesmo em frente a Buenos Aires, testemunharam, quase durante um século e meio, largas contendas entre portugueses e espanhóis, que só acabaram quando se inventou o Uruguai. Portugal perdeu a guerra, terá ganho a história, assim contam.
Historicamente chamada de Puerta de Campo, a Puerta de la Ciudadela, única entrada na altura para antiga cidade e edificada em 1745 durante o governo de Antonio Pedro de Vasconcellos, conserva parte da muralha original que existia em Colonia, assim como a sua estrutura do fosso e ponte de acesso. Dali mergulhamos pela parte histórica da cidade – desde 1995 reconhecida como Património da Humanidade pela UNESCO – encontrando o seu centro na Plaza Mayor, principal praça da antiga colónia. Durante a caminhada à toa, paramos no farol, situado junto às ruínas do Convento de San Francisco, sendo que quer o farol, quer a Igreja Matriz mantêm igualmente algumas pedras originais, datadas do século XVIII. Admirando também casarões históricos e ruínas da cidade, foi impossível não ver evidências quer da arquitetura portuguesa quer da espanhola, enquanto flanávamos por aquelas pitorescas ruas de pedra. Das memórias de um passado luso, reparámos na desvaidade das casas térreas que nos recordam pequenas aldeias do interior esquecidas, com as suas telhas de barro que se diziam moldadas nas pernas de escravos. Das ruas que nos surgiam achamos curiosa a Calle de los Suspiros, a mais antiga de Colonia del Sacramento, detentora de um estilo tipicamente português e que ainda conserva as pedras do seu pavimento original. Quanto ao seu bonito nome, reza a história de que ali costumava haver muitos bordéis, pelo que os marinheiros suspiravam pelo amor das mulheres…
E ao que parece por aquelas bandas o amor não dava só para suspirar, mas também remar, ou não contasse também a história de que os portugueses costumavam atravessar o rio para fazer arrebatadas serenatas às encantadoras argentinas. E nisto, o fado virou tango!