Cientes das fronteiras da palavra, os nicas recorrem à dança, de forma única e destemida, como linguagem universal. Percebi-o nas noites loucas do Via Via em Léon ou nos jantares em casa de Manuela, na humilde e paradisíaca ilha de Ometepe. Através da dança, escreve-se com o corpo, desfiam-se pequenas e grandes narrativas, sendo que cada movimento triste ou alegre torna-se sublime e indubitavelmente tão humano! Manuela contava que em pequena o médico da aldeia prescrevia muitas doses de música e dança por dia. É certo que nunca vi a dança como uma paixão, todavia devo confessar que nunca o corpo me havia desobedecido como ali! Endiabrado, deixava-se levar por ritmos quentes e irrequietos, nos quais o coração se soltava do peito.
De corpo travesso e de olhos postos no vulcão Concepción, acenava demoradamente à ilha de Ometepe. Depois de alguns dias na tranquilidade e na beleza ainda intocada daquela ínsula, era tempo de descobrir a exuberante Granada, cidade fundada em 1524 por Francisco Hernández de Córdoba, e historicamente considerada cidade irmã de Antigua, na Guatemala.
“Granada é encantadora, suficientemente grande para ter uma boa estrutura turística e pequena o bastante para continuar pacata, com traços de cidade do interior”
Mal chegamos fomos até à Praça Central, onde se situa a catedral pintada de um amarelo resplandecente e contagiante. Daqui, rapidamente se alcança a Calle La Calzada, uma artéria pedonal que sai do parque em direção às margens do imenso lago Cocibolca. Um passeio de mais de um quilómetro que nos conduz até ao local onde parte um ferryboat semanal com destino à ilha de Ometepe.
Não muito longe da Praça Central fica aquela que é por muitos considerada a mais bonita igreja de Granada, de seu nome La Merced, e na qual vale a pena a subida à torre do campanário. Há ainda a igreja de Xalteva, o convento e igreja de São Francisco e muitos outros exemplares da arquitetura religiosa colonial. Um passeio de charrete é igualmente um bom plano, permitindo uma visita guiada pela cidade. Na verdade, se estava resistente àquela experiência, demasiado americanizada ou não me fizesse recordar os passeios no Central Park, foi maravilhoso ter conhecido José que nos brindou com relatos sobre a cidade e os seus ilustres moradores.
Granada deve ser percorrida com o devido tempo, ao sabor do instinto e dos encontros, sem rumo definido. Os dias constroem-se por si, à conversa com os nativos sentados num banco de jardim ou numa barbearia com mais de meio século. Numa manhã, a caminho do mercado municipal, cruzamo-nos com uma mítica carrinha “pão de forma” que transporta um inconformismo sem idade. Aquele que faz as gerações mais velhas terem vontade de recuar até ao passado e as mais novas a identificarem-se com o seu espírito livre e rebelde.
“No vidro de trás, alguém teve a ousadia de escrever uma lição maior: “Si no te dedicas a lo que te gusta, estas desperdiciando tu única vida”. Ao que questiono o viajante ilustrador: estaremos na direção certa?”