“Se para muitos o frio aliado à neve pode-se transformar em um obstáculo, para nós deu lugar a alguns dos melhores momentos de aventura que a Lapónia pode proporcionar: fugir para as florestas brancas e disfrutar do seu esplendor!”
Iniciamos o dia com um nevão que deixou a cidade de Rovaniemi totalmente alva, dando-nos a certeza de que a nossa experiência de conduzir um trenó puxado por enérgicos huskies siberianos se tornaria uma proeza muito especial, e assim foi. Rumamos para sul, em direção a um circuito com uma extensão de aproximadamente oito quilómetros, onde o Viajante Ilustrador se tornou um “musher” (condutor), tomando as rédeas de oito bravos huskies siberianos, e comigo na navegação, quase levantamos voo tal a velocidade destes amigos patudos!
O husky siberiano é uma das raças caninas mais antigas do mundo, fazendo-nos recuar até há cerca de dois mil anos atrás. A criação e disseminação da raça é creditada a uma tribo chamada Chukchi, que utilizava estes cães para puxar os trenós. As características físicas dos huskies eram ideais para trabalho, dada a sua capacidade para suportar longas distâncias, carregar objetos e também tolerar o frio da Sibéria. Talvez a sua aparência de lobo nos leve a pensar erroneamente de que algo de selvagem define o seu comportamento, mas na verdade trata-se de um companheiro sociável, que apesar de primar pela teimosia e reinar uma lógica de matilha, adora o conforto e segurança do seu lar.
Embora seja admirável a sua capacidade física, a sua maior proeza reside na sua força mental, no seu instinto e na sua capacidade de organização em matilha. Os mais inteligentes e mais rápidos são colocados na liderança, seguindo-se os mais hábeis, para direcionar e curvar o grupo, sendo que na cauda tipicamente são colocados os mais fortes. A intercalar, são ainda colocados os chamados cães de equipa, que embora não tenham nenhuma característica diferenciadora, colaboram em todas as tarefas e são (re)distribuídos em função das necessidades em cada etapa da viagem. Na história canina universal, os irmãos Taro e Jiro ocupam um lugar especial, depois de terem sido abandonados por uma expedição cientifica japonesa na Antártida aquando condições meteorológicas adversas em 1958, conseguiram sobreviver durante um ano, resistindo ao frio extremo e à ausência de recursos básicos. Após terem sido encontrados com vida, no ano seguinte, estes cães tornaram-se heróis nacionais.
Dadas a similitude entre a Sibéria e a Lapónia, onde a caça assume grande importância e onde os grandes nevões também impossibilitavam o transporte de pessoas e carga por meios tradicionais, os huskies foram rapidamente adotados, e estes sentiram-se em casa. Após a nossa aventura, agradecemos aos nossos fiéis amigos a louca experiência, reconfortamo-nos rapidamente junto de uma boa lareira, e partimos rumo ao Norte, que nos aguardava.
“Era vez de dar-mos cordas “às botas” e arrancar num pequeno trilho pedestre pela pequena ilha de Könkään, situada no rio Raudanjoki, com pontes, passadiços e abrigos temporários totalmente equipados que permitem que, durante todo o ano, se possa disfrutar de uma floresta densa (monocromática, nesta altura invernosa), rodeada de exuberantes rápidos, ora congelados, ora em plena fluidez.”
Foi aqui que encontramos Mark, um fotógrafo de paisagem inglês apaixonado pela Lapónia, e com quem partilhamos um café quente. Este confidenciou-nos que se sentia parte integrante desta paisagem, procurando-a em expedições de longos dias. Com ela descobriu que as nossas atitudes modificam-se, pois começamos a perspetivar e a saborear a vida de modo mais equilibrado, completo e autêntico.
Essa partilha, hoje recordada, dá renovado sentido a este início de ano novo: importa redescobrir a nossa Natureza, dar tempo a cada etapa das nossas vidas, reservar momentos de introspeção, e quando o momento chegar, ir mais além!