É interessante perceber como, outrora, Cracóvia foi um importante centro cultural e académico da Europa Central, motivo pelo qual acolhia tantos judeu e judias até à eclosão da II Guerra, contrariamente a outras cidades europeias, onde eram alvo de rejeição e preconceito.
“O velho bairro de Kazimierz, foi até então a principal comunidade judaica da Polónia.”
Todavia, com a chegada de Hitler, o bairro vizinho de Podgórze, situado na margem direita do rio Vístula e ligado pela ponte Bernatek, foi transformado num gueto para mais de 15 000 judeus, que servia como sala de espera até aos campos de extermínio.
Depois do holocausto, estas áreas entraram em declínio tal que a população judaica não voltou ali a fixar-se. Aliás, só por altura da rodagem do filme A Lista de Schindler de Spielberg, é que Kazimierz iniciou a sua recuperação, tornando-se hoje numa das zonas mais populares de Cracóvia, para residir como para aproveitar a vida boémia. Aqui também a cultura judaica tem reemergido, sendo comum encontrar galerias de arte, museus, sinagogas, restaurantes com comida local ou com produtos kosher (todos aqueles que obedecem à lei judaica) e bares alternativos com música klezmer, uma sonoridade travessa que nos obriga a dançar. Ora contemplativa, ora frenética, esta música popular da Europa de Leste é enaltecida por um sentimento familiar tipicamente judeu…
“Embalados nesta trilha sonora, exploramos demoradamente a Plac Nowy, as várias sinagogas visitáveis e o Museu Histórico da História e Cultura dos Judeus, até que rumamos a uma das principais atrações da cidade: a Fábrica de Oskar Schindler.”
Filiado no Partido Nazi, e recrutado pelas SS (Schutzstaffel, uma agência secreta de proteção ao regime) como informador, Schindler foi um astuto homem de negócios que, durante a invasão da Polónia, adquiriu uma fábrica metalúrgica conhecida por Deutsche Emaillewaren-Fabrik. Como a mão-de-obra alemã era muito dispendiosa, decidiu selecionar os seus trabalhadores entre os judeus que estavam no campo de trabalho de Plaszow. Contudo, à medida que foi conhecendo as atrocidades de que os judeus eram vítimas, Schindler viu naquele negócio uma forma de salvar vidas, conseguindo que mais de 1200 judeus escapassem à morte… Para além de dar a conhecer esta história inspiradora, o museu da Fábrica retrata também a realidade da cidade desde o final de 1939 até ao fim da época comunista.
Decididos a sair do centro da cidade, apanhamos um autocarro até Nowa Huta, um subúrbio oriental frio e severo que nasceu de um ideal comunista. Planeada e construída como uma cidade-modelo soviética depois da II Guerra, pretendia abrigar uma dezena de milhar de trabalhadores. Nowa foi concebida em forma de estrela, com avenidas a sair da Praça Central (Plac Centralny), geometricamente alinhadas com grandes alamedas e edifícios minimalistas.
Aqui foi ainda erguida, em 1977, a igreja Arka Pana (ou Arca do Senhor), cuja edificação foi motivo de confronto entre as autoridades comunistas e os trabalhadores polacos apoiados por Karol Wojtyla, que mais tarde se tornaria no Papa João Paulo II. Toda a sua arquitetura atesta detalhes simbólicos, desde o seu exterior, com os milhares de seixos que forram as paredes; até ao seu interior revestido de madeira que lembra a parte inferior do casco de um barco, destacando-se no centro uma grandiosa escultura representativa da crucificação. E quando já não se espera mais, encontra-se neste local uma capela dedicada a Nossa Senhora de Fátima, debaixo do altar central, com uma estátua oferecida em 1992 pelos devotos portugueses, e mais curioso ainda, um pedaço de rocha lunar oferecida ao Papa pelos astronautas da missão Apolo 11.
Se já havia achado Nowa Huta sombria e estranha, ela agora havia ganho um certo fascínio aos meus olhos.
“Quem espera afinal, numa utopia comunista de foice e martelo, entrar numa espécie de Arca de Noé, na qual se guarda uma pedra dos jardins do universo?”