Chegados à encantadora e pitoresca Cracóvia pela madrugada, a qual, segundo reza a lenda, foi construída em cima de uma caverna de um dragão que o mítico rei Krak matou, acabamos por aproveitar de vez uma boleia de cerca de 15 quilómetros até à cidade de Wieliczka.
“Aqui situam-se uma das mais antigas minas de sal do mundo, explorada sem interrupção desde o século XIII até ao presente, e também conhecida por “a catedral subterrânea de sal da Polónia”.”
Com uma profundidade de 327 metros e uns impressionantes 300 quilómetros de túneis e galerias, ao longo dos quais é possível apreciar câmaras e capelas com belas figuras esculpidas que ilustram a história da mineração do sal, mais do que pela extração de sal, Wieliczka tornou-se internacionalmente conhecida pela arte e engenho dos mineiros. Homens ordinários que, durante séculos, ali criaram uma metrópole subterrânea construída diretamente na rocha. Havia inclusive cavalos que trabalhavam na mina desde o seu nascimento e que, aquando do encerramento das atividades comerciais, ao serem levados para superfície, não se adaptaram e acabaram por perecer.
Após uma descida interminável por meio de uma escadaria em madeira, a rota permite explorar cerca de 3 quilómetros de caminhos e galerias, isto é, menos de 1% de toda a mina. Estima-se que, para a explorar na sua totalidade, teríamos que caminhar durante quatro meses sem parar!
Ao longo das galerias é possível observar mais de 20 câmaras com lagos subterrâneos, antigas ferramentas e maquinaria, bem como diferentes esculturas e baixos-relevos feitos por mineiros com blocos de sal. O espaço ainda se destaca pela qualidade do seu ar, havendo mesmo um sanatório para pessoas com problemas respiratórios. O momento mais surpreendente da visita foi, sem dúvida alguma, a Capela de Santa Cunegundes (ou Santa Kinga, padroeira dos mineiros), uma incrível sala com mais de 12 metros de altura e 54 metros de comprimento, talhada pela mão de diferentes gerações de mineiros, onde os altares até aos painéis e chão são de pedra de sal puro!
Conta a história desta mina de sal que a princesa húngara Santa Cunegundes, noiva do rei da Polónia, Boleslau V (O Casto), ao receber do pai, como dote, ouro e pedras preciosas, recusou-os, proferindo que tais riquezas tinham origem nas lágrimas e no sangue do povo. Assim, acabou por pedir sal, um bem essencial, como parte do seu dote. O pai levou-a então até a uma mina em Máramaros (na atual Roménia), e como homenagem ao seu presente, a princesa acabou por atirar o seu anel de noivado para uma fenda.
Mais tarde, já na Polónia, realizou uma viagem por Cracóvia, e chegando à zona de Wieliczka, ordenou aos seus súbditos que cavassem um buraco profundo. Para espanto de todos, a cavidade continha sal em abundância, assim como como o anel que Cunegundes haveria deixado na Transilvânia. Esta lenda está representada numa das galerias da mina, através de esculturas do mineiro Mieczyslaw Kluzek.
Durante a II Guerra Mundial estas minas chegaram a ser ocupadas pelos alemães, como armazém para fábricas de produtos militares, contudo, em 1978, acabaram por ser declaradas Património da Humanidade pela UNESCO.
“Absolutamente pasmada com as minas de Wieliczka, recordei as minhas aulas de história no liceu, quando se discutia que, mesmo antes de a humanidade inventar a moeda, a remuneração do trabalho humano era feita com mercadorias, como animais, peles ou sal.”
Aliás, a palavra salário surgiu a partir da porção de sal dada como pagamento aos soldados na Roma antiga. Ao descobrirem que, para além de ajudar na cicatrização, servia para conservar e dar sabor à comida, os romanos passaram a considerá-lo um alimento divino, uma dádiva de Salus, a deusa da saúde. O Viajante lustrador achou curioso tal facto, reafirmando a importância do sal, até na sabedoria popular. Ou não fosse aquele dito de “Se queres conhecer alguém, come um saco de sal com ele.” Verdade! Como leva tempo a conhecer as gentes e o mundo…