Após uns tranquilos dias na bela Rovinj, seguimos viagem até Pula, a maior cidade da Ístria. Mal ali se chega, é inevitável não ficar impressionado com o que se encontra à entrada das ruelas do centro histórico – o Anfiteatro, também apelidado de Arena de Pula.
Datada do século I, esta construção oval foi erguida sob o regime de Tito, a partir de pedra calcária local, oferecendo 15 entradas, além de acomodar cerca de 25 000 pessoas. Reconhecida como um dos seis maiores anfiteatros remanescentes do Império Romano, a Arena de Pula foi edificada na mesma época que o Coliseu de Roma, motivo pelo qual talvez nos faça encontrar tantos pontos em comum. Palco de exibição de lutas de gladiadores durante o domínio italiano, a verdade é que estes embates aconteceram até ao século V, altura em que foi decretada a sua proibição, mantendo-se apenas as lutas com feras, que persistiram mais dois séculos.
Hoje o subsolo do Anfiteatro, que há quase dois mil anos continha as celas dos prisioneiros ou dos cristãos, assim como das feras que enfrentariam, acolhe uma exposição sobre o cultivo e a produção de vinho e de azeite de oliveira, dois dos maiores produtos agrícolas da Ístria, assim como sobre utensílios da época.
Apesar da maioria dos viajantes limitarem a sua visita a Pula unicamente ao Anfiteatro, existem outros locais interessantes pelo centro histórico, disposto em semicírculo ao redor da colina da fortaleza veneziana do século XVII. Se a uma curta caminhada dali, desde logo surgem o Portão de Hércules, os Portões Gémeos ou o Arco de Sérgio (também chamado de Portão Dourado), rapidamente outros pontos de interesse se sucedem como: a Catedral de Santa Maria, cujas fundações datam do século IV; e a praça onde se localizava o Fórum romano, sendo que, desse período, apenas se mantém o imponente Templo de Augusto, inaugurado no ano XIV para culto ao imperador. Com a queda do império romano, acabou convertido numa igreja, que, durante a Segunda Guerra, foi destruída, mas restaurada em 1947. Ao lado é também possível apreciar a Câmara Municipal, que foi construída com os restos da basílica de Santa Maria Formosa, embora tende a passar despercebida.
O dia estava estival e o Viajante X inquieto por uma pausa, pelo que acabamos por comer algo rápido e descansar num jardim em frente ao Anfiteatro a respirar a história que esta cidade emana. Depois de muito brincar efusivamente, talvez aos gladiadores, o X acabou por dormitar brevemente. Às custas desta minha graça, eu e o Viajante Ilustrador, acabamos por travar uma longa conversa sobre gladiadores. Sobre esses homens robustos, que perfilados e armados (ou não) paravam diante do imperador e clamavam: Ave Caesar, morituri te salutant (“Ave, César, aqueles que estão prestes a morrer o saúdam”). Era este o mote que principiava a violência e o sangue assim como, tão fartamente, alimentava uma impiedosa plateia. Ali a morte não era silenciosa, bem pelo contrário, o barulho ebuliente da multidão ditaria o vencedor, que seria elevado pela sua valentia e habilidade.
Naquela época, todos admiravam os gladiadores, talvez as mulheres um pouco mais…. Curiosamente, tive o prazer de ler em tempos um artigo que partilhava como essa admiração feminina pelos gladiadores se convertia, por vezes, em rumorosos casos de amor, ou não se especulasse que Cômodo, filho do imperador Marco Aurélio e de sua mulher Faustina, era, na realidade, fruto de um amor proibido entre ela e um gladiador.
Suspiro… de inquietude! Em verdade, lograsse eu afirmar que o prazer de assistir ao terror da morte fora apenas um capricho dos antigos romanos…. Infelizmente, e à semelhança dessa época, muito parece persistir, pois mesmo quando não se encontram vencedores, continua a haver alguém, armado em imperador endeusado, que ousa exibir, vergonhosamente, o polegar da sua mão pela decisão do “Degola, degola!”. Se não esmoreço, e salvo a minha alma, é porque confio nos audazes gladiadores que teimam, diariamente, em erguer o seu dedo da mão esquerda e em exigir vigorosamente pela decisão do: “Livre, livre!”