Will I cry for you, Argentina?

Cafayate, Argentina

By In América, Argentina

Ainda a desfrutar da nossa mini road trip, e no último dia de viagem, seguimos pela Ruta 68. Mesmo antes de iniciar a condução ficamos entusiasmados com o plano que traçamos e com o facto de saber que iriamos cruzar a ponte que serviu de set de filmagem a uma das histórias de Relatos Selvagens, de Damián Szifron. Um filme hispano-argentino que muito apreciamos pois consegue de forma incrível narrar seis contos deliciosamente selvagens, em jeito de antologia. Com coragem e ousadia, esta película escalpeliza a violência e a vingança, mas sobretudo o inegável prazer de perder o controlo. Cada narrativa aborda o lado volátil da natureza humana e a forma como tendemos a lidar com situações rotineiras na base da pressão e do stress, recuperando a essência primitiva (quase reptiliana) da humanidade.

Entre reflexões e impressões, neste itinerário entre Salta e Cafayate fomos apreciando a mudança de vista, sobretudo quando alcançada a Quebrada das Conchas (ou de Cafayate). Esta tem início na Alemanía, hoje um lugar fantasma, outrora testemunha da glória da ferrovia.

Na Quebrada das Conchas predominam os tons ocre, laranja, amarelado e até esverdeado, enaltecidos pelas formações rochosas vermelhas que seguem o leito do rio, concebendo vales e desfiladeiros, com a bonita Cordilheira dos Andes como imagem de fundo. Um envolvente estonteante, ou não fosse mais uma das belas obras da mãe natureza que, tão paciente e delicadamente, soube esculpir através de movimentações tectónicas e erosões.

Algumas dessas formações rochosas merecem um especial destaque como a Garganta do Diabo – uma ravina gigantesca talhada em sedimentos compactos e património cultural da comunidade indígena suri Diaguita Kalchachi, que ali acredita esconder-se a porta para o “inframundo” (submundo) –; e o Anfiteatro – criação semelhante, mas diferenciada pelo facto de ser fechada, sendo que no seu interior a acústica é de tal forma sensacional que metamorfoseia o silêncio e as vozes de gente e do vento em poesia. Também património cultural da mesma comunidade, no Anfiteatro parece encontrar-se a porta para o “supramundo”. Além destas formações, ainda fizemos breves paragens no Mirante das Tres Cruces, que oferece uma das melhores vistas da Quebrada e para o rio de las Conchas; no El Sapo e no El Fraile, este último por se assemelhar a um frade franciscano com os braços cruzados. Outras esculturas naturais famosas por estas bandas são El Obelisco e Los Castillos.

Chegados a Cafayate, facilmente se percebe porque é esta cidade um importante centro vinícola no Vale de Calchaquies, afinal o número de “bodegas” fala por si, sendo este motivo também, mais do suficiente, para ficarmos motivados a passar ali o resto do dia. Ali usufruímos da oportunidade de visitar a Vasija Secreta, a cave mais antiga de Cafayate, produtora de vinho desde 1857. O cultivo de vinho na região foi introduzido pelos jesuítas no século XVIII e alcançou sucesso quer pela alta altitude da região (a cerca de 1700 metros acima do mar), quer pelo seu clima temperado e pouco húmido. Entre as uvas tintas produzidas na região estão Cabernet Sauvignon, Malbec, Tannat, Bonarda, Syrah, Barbera e Tempranillo. Porém, o destaque vai para o famoso Torrontés, um branco frutado característico da Argentina e originário de Rioja, em Espanha. Nessa tarde passeamos pela praça principal da cidade e centro histórico, mas rapidamente decidimos saborear o tempo que nos restava como nativos: a beber um vinho, acompanhado de umas empanadas, de uns queijos de cabra e de uma carne de cabrito.

A ampulheta finalmente marcava o fim.

A Argentina não chorava por mim, é certo, mas é fácil ficar a chorar por ela. Nela encontrei uma atraente infinidade de contrastes, de telas humanas e paisagísticas, de selvajaria e civilização. Nela voltei a pensar sobre como a imprevisibilidade é a única realidade certa dos dias, circunstância pela qual nos tornamos tragicamente interessantes e comicamente triviais. Nela sentimo-nos livres para mandar o superego dar uma volta ao bilhar grande!

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