O dia amanheceu com chuva, apesar do calor e da opressiva humidade que se fazia sentia na chamada “jóia da coroa”. Enquanto esperávamos por Micky víamos miúdos a percorrer a cidade de Santo António à procura de garrafas de plástico. Curiosos com a situação, perguntamos o motivo de tal frenética caçada. Um dos gaiatos acabou por nos mostrar um panfleto com o mote “Plástico não. Um pequeno gesto está na nossa mão”. Tratava-se de uma campanha que pretende envolver a população na recolha do plástico, onde 50 garrafas podem ser trocadas por uma “Garrafa Biosfera Príncipe”. Esta última é reutilizável, em aço inoxidável e feita com materiais seguros e livres de plásticos, podendo ser reabastecida nos diferentes postos de água tratada e pura, instalados em toda a Ilha do Príncipe (classificada, desde 2012, como Reserva Mundial da Biosfera da UNESCO). Tratando-se de uma razão de tal ordem nobre, juntamo-nos e colaboramos nesta recolha pelo ambiente.
“Volvido quase um par de horas, chegou o sereno e imperturbável Micky.”
De imediato, questionámos sobre se algo de errado ou grave haveria sucedido, até que ao nosso ar sério e grave, deu lugar um sorriso atrapalhado, quando ouvimos a nativa resposta de “móli móli”. Nisto percebemos que, mais do que uma expressão, esta simboliza a conjugação do verbo ser com o modo de vida santomense. Desconcertados com tal circunstância – ou não significasse aquela subtil chamada de atenção, uma urgente necessidade de desacelerar –, seguimos até à Roça Terreiro Velho, local pioneiro da cultura do cacau, debaixo de uma chuva fininha. Conta a história que esta planta do Brasil chegou à Ilha do Príncipe nas primeiras décadas do século XIX, inicialmente para fins ornamentais. Todavia, a cultura prosperou e o país tornou-se no maior produtor de cacau a nível mundial, tendo sido, mais tarde, disseminada para a Nigéria e Gana. De alguns anos a esta parte, esta roça é explorada por Claudio Corallo, um italiano que ousou revitalizar e aprimorar esta cultura, ou não fosse o cacau um dos alimentos sagrados para os Aztecas e para os Maias. Além do Terreiro Velho, Corallo tem ainda a plantação de Nova Moca, uma ex-dependência de Monte Café, na ilha de São Tomé. Nesta desenvolveu a cultura de café, sendo algumas das suas variedades das mais raras e requintadas do mundo, à semelhança do chocolate.
Após uma lição pelo Micky sobre o cativante fruto do cacau, enquadrada numa paisagem absolutamente incólume, na qual sobressaia o pequeno ilhéu de Boné de Jóquei, tornar-se-ia inevitável, no nosso regresso a São Tomé, fazer uma visita à fábrica deste produtor. Naquele laboratório quase comestível, Corallo oferece-nos uma magnífica degustação de vários tipos de chocolate, e na qual eu tive a felicidade de encontrar o meu eleito: o de sal e pimenta. Ou não reverenciasse eu a combinação daquele sorvo inicial de salgado, que me recorda a minha tão saudosa terra-mãe de nome Aveiro, à beira ria e mar com as suas pirâmides de luz e sal; assim como me empurra (a pique) para a mordacidade, a vertigem e a ironia da vida. No meu mundo de fantasia, imagino Cláudio Corallo como uma espécie de Willy Wonka dos tempos modernos, realidade que me remete inequivocamente para o livro “Charlie e a Fábrica de Chocolate”, de Roald Dahl, que já mereceu duas adaptações para o cinema. É nesta simbiose entre memórias, afetos e duelos internos e externos, que recordo diálogos como “Afinal, onde está o sentimento no coração ou na cabeça?”
“Ainda nessa manhã o sol começou a espreitar entre as nuvens, e com ele veio uma incomensurável vontade de submergir no oceano.”
Às vezes, quase que me sentia uma tartaruga, tal o inesperado gosto pela água. Começamos por sondar a Praia Évora, mas acabámos por desfrutar do sol e do mar, assim como de uma bela grelhada de peixe, acompanhada de arroz e banana pála pála, na Praia de Ponta Mina. Mais do que um almoço convívio, um enaltecimento à oralidade das histórias.