Os três mosqueteiros na roça

São Tomé e Príncipe, na parte sul da Ilha de São

By In África, São Tomé e Príncipe

Entre viagens é quase inevitável não dar por mim a debater com o Viajante Ilustrador sobre um dos maiores problemas filosóficos desde a Antiguidade: a passagem do tempo. Independentemente de recorrermos a argumentos, outrora veementemente defendidos por Platão, Aristóteles, Kant ou Hegel, acabamos sempre por concordar que a medida do tempo se torna subjetiva, quando cada um a pode percecionar de forma distinta, conforme as circunstâncias.

“Em verdade, devo admitir que estas tertúlias costumavam terminar com um suspiro, tal o lamento provocado pela escassez do tempo, desejando ambos, numa só vida, poder viver mil vidas!”

Porém, após esta viagem a São Tomé e Príncipe, iniciamos um processo de transformação. Este pedaço de terra, brotado de erupções vulcânicas e rodeado pelo mar, elucidou-nos acerca da palavra “transitoriedade”. Efetivamente, esta ganhou, neste país, uma renovada significação. Ali percebemos, de forma autêntica e humilde, que a finitude apenas faz com que tudo se intensifique, impondo a todos os que por ali passam uma nova medida de tempo.

“Se na maior ilha do arquipélago santomense se vive sobre um ritmo “leve-leve”, na mais pequena, é tudo ainda mais fácil e devagar, apropriando-se estas gentes de sorriso fácil da divisa “móli-móli”.”

São Tomé e Príncipe ensina-nos, desde o primeiro instante, a ser serenos e pacientes. Naquele que é um dos países mais pequenos de África, mas sobretudo um dos mais pacíficos naquele continente, respira-se uma brisa quente, húmida e aromatizada pelos frutos de cacau e café. E não fosse esta jornada, já em si, uma espécie de experiência social, tivemos o prazer de contar com a companhia do nosso bom amigo e viajante, Tiago Páscoa.

Ao volante de um todo o terreno, decidimos principiar a nossa jornada pelo sul de São Tomé, até que, entre solavancos, abanões e travagens bruscas – uma espécie de treino para o que iriamos encontrar na virgem Ilha de Príncipe – lá estávamos nós mergulhados nas águas quentes e límpidas dos trópicos a beber uma água de cocô, mais concretamente, na bonita e selvagem praia Jalé. De seguida rumamos até à praia Piscina, que deve o seu nome à sua morfologia, numa envolvência tropical de um mar calmo, areias douradas e pinceladas de verde (tal os altos coqueiros ali residentes!). Logo ali perto, encontrámos também a praia Inhame, onde refrescados pela cerveja nacional Rosema, projetamos com o Didi, irmão de um dos pescadores locais, uma futura visita até ao Ilhéu das Rolas.

E porque o ar do mar abre o apetite e dá sede, depois de uma breve pausa pela aldeia piscatória de Ribeira Peixe, abalamos até à Roça de São João dos Angolares do famoso João Carlos Silva. Afinal, quem não se recorda daquele programa televisivo, “Na Roça com os Tachos”?…

Chegados à Roça, de imediato, ficamos apaixonados por aquela antiga herdade que remonta aos tempos da colonização portuguesa. Tal como outras, é dotada de uma casa principal, hospital e senzalas. Aquele antigo palácio de administração, onde outrora moravam os patrões, é hoje uma pousada histórica recuperada, que respeita todo o traço original, com uma plantação ecológica e um projeto universal de arte contemporânea. No antigo hospital pode-se encontrar o Hospital da Criação, um projeto da Roça Mundo que visa o ensino do artesanato e das artes locais às mulheres daquela localidade, como forma de rendimento e inserção numa sociedade carenciada.

“Este local garante a qualquer indivíduo a oportunidade de se fundir com a Natureza, convidando-o a libertar-se de constrangimentos impostos pela atual era digital, onde a conectividade global progride a um ritmo inédito e avassalador, para simplesmente ouvir o acalentar do vento ou o chilrear dos aves endémicas que ali moram…”

Após algum tempo de sossego e ócio, lá fomos nós, à laia de três mosqueteiros, fruir de um encontro na magnífica varanda daquela reinventada roça para degustar, sem pressa, alguns pratos típicos, mas também uma fusão de sabores africanos. Um dia encantador, no qual se exortou a amizade, a relação fraterna e altruísta entre os homens, advogando-se ainda o valor da honra e da justiça a par da aventura!

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